FONTE: Direto da Sacristia
[09-10 outubro 1962]
Era já noite, lá pelas 21 horas do dia 9
do corrente, quando o aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, era
invadido por mais de 100 prelados da Santa Igreja, Arcebispos e Bispos,
mineiros e paulistas, gaúchos e goianos, matogrossenses e paranaenses,
cariocas e capixabas, Padres Conciliares do Centro e Sul do País, a fim
de seguirem para Roma, chamados pelo Papa, para o Segundo Concílio
Ecumênico do Vaticano.
Muitos outros Bispos, preferindo a via marítima, já aportavam em terra da Europa ou para lá se encaminhavam.
Aeronave da Panair Cortesia do Governo brasileiro para a viagem dos Padres conciliares brasileiros
Para nós outros, mais ousados talvez, lá
estava, na pista do Galeão, o possante DC-8 a jato, da Panair, prefixo
PDS, gentilmente oferecido pelo Presidente da República Dr. João
Goulart, em homenagem ao grande Concílio Ecumênico. Aliás, representando
o Sr. Presidente, lá estava, também, no Aeroporto, o Cel. Albino da
Silva, Chefe da Casa Militar da Presidência da República. E, mais que
tudo, como garantia da viagem, ilustre passageiro nos acompanhava. Era o
próprio Diretor da Panair do Brasil Dr. Paulo Sampaio.
De súbito, ouviu-se o alto-falante:
“Senhores passageiros da Panair, com destino a Roma, escala em Recife e
Lisboa, por favor, façam suas despedidas e se apresentem ao portão de
embarque”.
Eram já quase 22 horas quando decolava e
roncava, céus afora, o enorme pássaro de aço, a caminho da Cidade
Eterna. Entoamos, então, a “Salve Regina”. Viajávamos a 10.000 metros de
altura, numa velocidade de quase 1000 quilômetros a hora. Faltavam 15
minutos para meia-noite, quando aterrissamos no Aeroporto dos
Guararapes, na cidade do Recife. Imensa multidão se aglomerava à nossa
espera. Eram velhos conhecidos e amigos. Eram padres e seminaristas,
freiras e numerosas Irmãs de Caridade. Eram, sobretudo, outros valentes
colegas no Episcopado que iriam juntar-se à nossa caravana.
Após carinhosa saudação aos Bispos por
parte do Chefe da Casa Civil Dr. Hugo de Faria, e do agradecimento em
nosso nome feito por Dom Hélder Câmara, de novo nos acomodávamos no bojo
do avião e rompemos as nuvens carregadas. Lá em cima, brilhavam as
estrelas e a lua se afogava no mar.
Às 4 horas, mais ou menos (hora do
Brasil), já o dia clareava para nós. Atravessando o Atlântico em tão
grandes alturas, eu me lembrava de quatro séculos passados, quando os
descobridores cortavam os sete mares! Que diferença, meu Deus! A Europa
agora estava tão perto. Olhamos para as bandas do Oriente e nos
assustamos com uma nuvem escura e medonha que subia… Figuramo-nos às
cenas de Lusíadas: “Tão temerosa vinha e carregada, que pos nos corações
um grande medo…”.
Felizmente, porém, o gigante a jato se
atirou sereno, roncando forte, sem receios… e o novo Adamastor se perdeu
distante no caminho. Pela janela da aeronave entrava de cheio a luz solar, acordando irreverente Suas Excelências, que dormiam a sono solto.
Dom José de Medeiros Delgado, então Arcebispo do Maranhão Rezou, por indulto de João XXIII, a primeira missa num avião
Foi, então, que soou a voz de Dom Hélder Câmara: “Vamos
ter a Santa Missa a bordo do avião. É uma concessão especial do Santo
Padre. É a primeira vez que se celebra em tão grande altura”.
De fato, pouco tempo depois, o Arcebispo
do Maranhão Dom José Delgado iniciava o Santo Sacrifício da Missa,
acompanhado pelos 120 Bispos brasileiros.
Viajávamos a 11.500 metros sobre o
Oceano. Era emociante ver aqueles Prelados todos se acotovelando no bojo
do avião, para participarem, todos, da Sagrada Eucaristia. Ao dar a
Ação de Graças, lembramo-nos de Frei Henrique de Coimbra quando, séculos
passados, após longos meses no dorso do Oceano, ia esbarrar no ilhéu da
Coroa Vermelha, para a Primeira Missa no Brasil. Graças, meu Deus! Aqui
estão os mais de 100 Bispos trazendo a Portugal, numa mensagem de Fé, a
mais bela resposta de uma nação cristã, conquistada à sombra da Cruz.
Às 10h30 (hora da Europa), descíamos em
Lisboa, debaixo de uma chuva persistente. Demora curta, para tomarmos
logo o destino de Roma. Mais três horas de viagem e furamos a massa de
nuvens para aterrizar no Aeroporto “Fiumicino” da Cidade Eterna.
+ Belquior Joaquim da Silva Neto, C.M
Bispo titular de Cremma e Coadjutor de Luz
Bispo titular de Cremma e Coadjutor de Luz
Belo texto! Tinha de ser de um lazarista mesmo! Deus abençoe todos nós!
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